quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Osho - A não morte de Sócrates.

Ouvi contar que um homem foi visitar um faquir muçulmano, o xeque Farid, e lhe disse:-ouvimos dizer que quando cortaram ao Mansoor as mãos e as pernas ele não sentiu dor. É difícil de acreditar. Até um espinho dói quando nos cravamos isso no pé. Como não vai doer que a um cortem as mãos e as pernas? Parece que todos esses relatos são umas fantasias. Diz-se –acrescentou também o homem- que quando cravaram ao Jesus na cruz ele não sentiu nenhuma dor. E pôde dizer suas últimas orações. É difícil de acreditar o que disse Jesus em seus últimos momentos, sangrando e nu, ferido de espinheiros, com as mãos cravadas! 

Jesus disse: “Perdoa-os, porque não sabem o que fazem.” Devem ter ouvido esta frase. E todas as gente de todo o mundo que acreditam em Cristo a repetem continuamente. A frase é muito singela. Jesus disse: “Senhor, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”. As pessoas que lêem esta frase revistam entender que Jesus diz que aquelas pobres gente não sabiam que estavam matando a um homem bom como era ele.
Não: aquilo não era o que queria dizer Jesus. O que queria dizer Jesus era o seguinte: “Estas gente insensíveis não sabem que a pessoa a que estão matando não pode morrer. Perdoa-os, porque não sabem o que fazem. Fazem algo impossível: estão cometendo o ato de matar, que é impossível.”
-É difícil acreditar que uma pessoa a que estão a ponto de matar manifestasse tanta compreensão –disse aquele homem- Em realidade, estaria cheio de ira.
Farid soltou uma gargalhada e disse:
-expuseste uma boa pergunta, mas te responderei mais tarde. Primeiro, me faça um pequeno favor.Tomou um coco que estava no chão perto dele, o entregou e lhe pediu que rompesse a casca com cuidado de não danificar a polpa. Mas o coco estava verde, e o homem disse: -Perdoa: não posso fazê-lo. O coco está completamente verde, e se romper a casca se danificará também a polpa.
Farid lhe pediu que deixasse a um lado o coco. Depois lhe entregou outro coco, que estava amadurecido, e lhe pediu que rompesse a casca.
-Pode salvar a polpa? –perguntou-lhe.
E o homem respondeu:
-Sim: posso salvar a polpa.
-Dei-te uma resposta –disse Farid- Compreendeste-me?
-Não compreendi nada –respondeu o homem-. O que tem que ver um coco com sua resposta? O que tem que ver o coco com minha pergunta?
-Deixa também este coco –disse Farid-. Não faz falta rompê-lo, nem nenhum outro. O que te estou indicando é que há um coco verde que tem a casca unidas à polpa:  se golpear a casca, danifica-se também a polpa. E também há um coco amadurecido. No que se diferencia o coco amadurecido do coco verde? Há uma ligeira diferença: a polpa do coco amadurecido se encolheu no interior e se separou da casca: a casca se separou da polpa. Agora, como você diz, pode-se romper a casca salvando a polpa. Assim respondi a sua pergunta!
-Sigo sem entendê-lo –disse o homem.

-Vê, morre e compreende –disse o faquir-; de outro modo não poderá seguir o que estou dizendo. Mas nem sequer então será capaz de seguir minhas palavras, porque no momento da morte ficará inconsciente. Um dia se separará a casca da polpa, mas nesse momento ficará inconsciente. Se quer compreender, começa agora a separar a polpa da casca: agora, enquanto está vivo. Se a casca (o corpo) e a polpa (a consciência) separam-se neste mesmo instante, acaba-se a morte. Com a criação deste distanciamento chegarão ou seja que a casca e a polpa são duas coisas independentes: que sobrevivem embora se rompa a casca, que não há possibilidade de que lhes desagreguem, de que desapareçam. Nesse estado, embora aconteça a morte, não poderá penetrar dentro de vós: acontecerá fora de vós. O que são vós sobreviverá.
Este é o significado mesmo da meditação ou samadhi: aprender a separar a casca da polpa. Podem-se separar porque são coisas independentes. Podem-se conhecer por separado porque são coisas independentes. Por isso chamo eu à meditação uma entrada voluntária na morte, encontra-se com ela e chega ou seja que “a morte está ali, mas eu sigo aqui”.

Sócrates esta a  ponto de morrer. Aproximavam-se os últimos momentos: já estavam preparando o veneno para matá-lo. Ele perguntava uma e outra vez: 
-Faz-se tarde, quando terminarão de preparar o veneno? Seus amigos choravam e lhe diziam: -Está louco? Queremos que vivas um pouco mais. subornamos ao que tem que preparar o veneno: persuadimo-lo para que trabalhe devagar.
Sócrates saiu e disse ao que preparava o veneno:
-Está demorando muito. Parece que não sabe fazê-lo. É novo no ofício? Alguma vez tinha preparado veneno? Alguma vez tinha administrado veneno a um condenado?
-Levo administrando veneno toda minha vida –disse o homem-, mas nunca tinha visto um louco como você. Por que tem tanta pressa? 
Estou-o preparando devagar para que possa respirar um pouco mais, para que vivas um pouco mais, para que conserve a vida um pouco mais. E você não deixa de dizer loucuras, de dizer que se faz tarde. por que tem tanta pressa por morrer?
Tenho muita pressa porque quero ver a morte –disse Sócrates- Quero ver como é a morte. E também quero ver, mesmo que se tenha produzido a morte, se eu sobreviver ou não. Se não sobreviver, acabou-se toda a questão; e se sobreviver, então se acabou a morte. Em realidade, quero ver quem morrerá com a morte: morrerá a morte, ou morrerei eu? Quero ver se sobreviverá a morte ou se serei eu o que sobreviva. Mas como poderei ver isto se não estando vivo?

Entregaram ao Sócrates o veneno. Seus amigos começaram a chorar por ele: não estavam em seu são julgamento. E que fazia Sócrates? Dizia-lhes: -O veneno chegou aos joelhos. Tenho as pernas completamente mortas até os joelhos: se me cortassem isso, não me inteiraria. Mas, meus amigos, direi-lhes que embora tenha mortas as pernas sigo vivo. Isto significa que uma coisa é segura: eu não era minhas pernas. Sigo aqui; estou aqui completamente. Nada em mim se há disolvido ainda. Agora perdi as duas pernas –seguiu dizendo Sócrates-; tudo terminou até minhas pantorrilhas. Se me cortassem as pernas pelas pantorrilhas não sentiria nada. Mas eu sigo aqui! E aqui estão meus amigos, que seguem chorando!

-Não chorem –diz Sócrates- Olhem! Hei aqui uma oportunidade para vós: um homem se está morrendo e lhes está informando que segue vivo. Podem me cortar as pernas inteiras, e nem  sequer assim estarei morto; mesmo assim seguirei aqui. Também me estão insensibilizando as mãos; minhas mãos também morrerão. Ah! Quantas vezes me identifiquei com estas mãos, com estas mesmas mãos que agora me estão deixando! Mas eu sigo aqui.

E Sócrates segue falando assim enquanto morre.
-Lentamente, tudo se pacifica –diz- tudo se afunda, mas eu sigo intacto. Dentro de um momento possivelmente não seja capaz de seguir lhes informando, mas não criam por isso que já não estou. Pois se eu estiver aqui depois de perder tanto de meu corpo, como poderia me chegar o fim por perder um pouco mais do corpo? Possivelmente não seja capaz de lhes informar (pois isso só é possível através do corpo), mas eu permanecerei.

No último momento, diz:
-Agora, possivelmente lhes digo o último: falha-me a língua. Não poderei lhes dizer uma só palavra mais, mas ainda lhes digo que existo.
Até o último momento da morte seguiu dizendo: “Sigo vivo”.

2 comentários:

Champa disse...

Antes eu sequer sabia que existia a casca e a polpa, era tudo uma coisa só!Com a meditação fui vendo a diferença, e era difícil acreditar, mas tive algumas experiências da distância do corpo, tinha muita dor e ela estava lá distante!Eu estava vendo a dor!Lendo Sócrates isso ficou mais claro ainda.Minha gratidão a todos os Mestres por nos terem levado a descobrir"Isso"
Namastê!

Unknown disse...

Para isto temos que ler, compreender(mesmo intelectual), e colocar em prática, e aí vemos que funciona e dizemos Osho tem razão. Mas não podemos parar aí temos que continuar infinitamente.E aí veremos que até a iluminação é possível. Namaste.

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